“Deus coopera em tudo para o bem daqueles que o amam” (Rm 8, 28).
Este versículo bíblico, na minha vida, tem sido uma realidade tão forte, tão real, tão concreta, que é impossível não recordá-lo a cada acontecimento marcante da minha história.
Foi assim também na maior obra de perdão vivida por mim.
A minha família era composta por quatro pessoas: papai, mamãe, eu e minha irmã Isabelle.
Nós nos amávamos muito! Minha família era católica, mas aquele tipo de católico que vive uma religiosidade deturpada, que pratica ritos e mais ritos, mas que nem entende o que está fazendo e que se permite viver segundo sua própria vontade e não exclusivamente segundo a vontade de Deus. Hoje vejo que nos faltava um encontro pessoal com Jesus Cristo, mas um encontro mesmo, real, que transforma a vida!
Com o tempo, meu pai e minha mãe começaram a buscar o poder, o possuir e o prazer, cada um de seu modo, o que não demorou por arruinar o casamento deles e, consequentemente, nossa família. Vieram as brigas constantes. Lembro-me de que eles discutiam na nossa frente, até na mesa das refeições. Isto nos marcou muito!
Essa discórdia prolongou-se até que um dia meu pai saiu de casa. Ele passou sete meses longe de nós. Depois deste tempo, reconciliou-se com a mamãe, e os dois se dispuseram a dar mais uma chance para o seu casamento.
Infelizmente, não deu certo, pois não apoiaram essa reconciliação em Cristo, na rocha que sustenta todo matrimônio. Então, no início da década de 1990, separaram-se definitivamente.
Eu e minha irmã, com a graça de Deus, mesmo em meio a sofrimentos dilacerantes, conseguimos entrar na Universidade: eu, no Direito, ela, na Psicologia. Mamãe tentou manter nosso padrão financeiro, o que efetivamente conseguiu, com a graça de Deus. Mas isso não basta para uma família. Não tínhamos aquilo de que toda família necessita: Deus, união, perdão, reconciliação.
Entretanto, a pessoa que mais sofreu com essa separação foi meu pai. Ele enveredou por farras, desequilíbrio financeiro, promiscuidade, o que o transformou de um modo que era impossível reconhecer nele aquele pai maravilhoso que viajava conosco para o Rio Grande do Sul, para a Argentina; que passava os fins-de-semana em nosso sítio em Mulungu, na Serra de Guaramiranga, ou em nosso apartamento na praia do Icaraí, ensinando-nos a descer as dunas, vendo-nos andar de caiaque, fazendo churrasco e tomando banho de piscina conosco.
Pensando estar “livre”, meu pai deixou-se escravizar por uma vida sem Deus. Lembro-me de que tudo para ele era relativo, não havia mais, para ele, o Absoluto, o próprio Deus! Assim, meu pai caiu ainda mais, até se envolver com práticas ilegais. Ele cometeu crimes, como estelionato, e acabou sendo preso em flagrante delito. Foi uma das maiores dores da minha vida! Quando eu e minha irmã fomos visitá-lo na Delegacia, choramos muito! Ele estava muito abatido, psicologicamente arrasado, espiritualmente morto! Após esse dia, ele foi solto e preso mais duas vezes, até que conseguiu permanecer solto para responder os processos criminais em liberdade. Contudo, suas escolhas de vida levaram-no à morte! 12 anos após sua separação da mamãe, com 62 anos de idade, ele faleceu num hospital em Fortaleza, vítima de parada cardíaca ocasionada por septicemia. Na verdade, hoje vejo claramente que a causa primeira de sua morte foi a separação, foram as escolhas erradas, foi a recusa a Deus.
Eu também não passei ileso este tempo todo. A psicologia fala que o filho homem tem o pai como heroi, busca imitá-lo desde pequeno, e, muitas vezes, para “pedir amor”, quando o pai se ausenta, imita-o até nos comportamentos destrutivos. Foi assim comigo. Também enveredei pela farra, pelas orgias, querendo ser aceito por meu pai, ter seu “amor” de volta. Inconscientemente, fazia tudo isso para ser aceito, acolhido por ele. Lembro-me de uma das cenas mais tristes que vivi. Triste hoje, porque na época achei “o máximo!” Como eu estava cego! Certa vez, fui para um quarto de motel com uma mulher, e meu pai ficou no quarto ao lado com outra mulher. No momento, muita bebida, muita “festa”! Saímos do motel rindo, mas eu não tinha noção do tamanho da ferida que isso abriu em meu coração!
Na verdade, dentro de mim, coexistia um misto de “amor” e ódio pelo meu pai. Acho que eu não o amava mesmo, porque o amor quer o bem do outro, mas o bem mesmo! Como eu não conhecia o Bem, Deus, logo não amava meu pai. Aliás, nem me amava, por isso “me matava” nessa vida louca!
E assim vivi até o Senhor me encontrar. E graças ao próprio Jesus, ele me encontrou antes de levar meu pai, 1 ano e meio antes de sua partida para a casa do Pai.
O encontro que me tirou da lama, dessa “vida de morte”, aconteceu nos dias 18, 19 e 20 de agosto de 2000. Foi um maravilhoso seminário de vida no Espírito Santo, promovido pelo Projeto Mundo Novo, da Comunidade Católica Shalom. Ali, naquele seminário de vida, o encontro com Jesus, que está vivo, que ressuscitou, que vence todo pecado, toda morte, fez-me perdoar meu pai.
Era domingo, dia da Ressurreição do Senhor, por volta das 11h da manhã, na sala de cima da casa de retiro da Porciúncula, onde ocorreu o seminário de vida no Espírito Santo. Um dos servos de seminário orou por mim, durante o momento da efusão, e proclamou, da parte de Deus, que o Senhor me convidava a perdoar meu pai, que o próprio Jesus me concedia a graça de perdoá-lo, e que, para vencer minhas resistências, chamava-me para seus braços, acolhia-me como filho seu. Imediatamente, repousei no Espírito Santo! Caíram por terra não somente meu corpo, mas também o ódio, a ira que me consumiam! Jesus Cristo me libertou! Na fé, eu vi o Senhor! Corri para seus braços, chorei muito, beijei-o, abracei-o! Então, amado por Jesus Cristo, voltei a amar meu pai, a querer abraçá-lo, a dizer para ele que eu o amava, que o tinha perdoado!
Encontrei-me com meu pai, perdoei-o, abracei-o, beijei-o e, a partir daquele dia, minha convivência com ele mudou.
Hoje, louvo Jesus Cristo porque ele me preparou para a partida do meu pai. Diante do corpo do meu pai, no velório, eu chorava, meu coração doía muito, mas eu estava na Paz, em Cristo, não me desesperei, porque, inclusive, Deus foi tão bom que pude ver meu pai, antes de sua morte, arrependido de tudo o que tinha feito: deu tempo para ele voltar para Deus aqui na Terra, antes de se encontrar com o Pai do Céu! Com isto, Jesus pacificou meu coração.
A prova maior de que sou plenamente reconciliado com meu pai é que posso falar abertamente disto tudo, sem nenhuma dor em meu coração. Ao contrário, recordando todos esses acontecimentos, posso dizer com tranquilidade que Deus sempre esteve conosco, mesmo quando não queríamos estar com ele. É um mistério, mas percebo que, de cada mal que vivíamos, Deus retirava um bem para cada um de nós. Numa palavra: “Deus é amor” (I Jo 4, 8).
Para a alegria ser plena, completa, faltava ainda um perdão. E confesso que este foi mais difícil. Aliás, era “impossível”, porque eu sabia que deveria perdoar, inclusive por hoje ser consagrado na Comunidade Católica Shalom, mas eu não queria!
Após a separação entre meu pai e minha mãe, o papai teve uma união de fato com outra mulher. Desse relacionamento, no ano de 1997, nasceu uma menina.
Era exatamente aí que residia a maior obra de perdão que Deus faria na minha vida!
Após a morte do meu pai, a mulher que teve esse relacionamento com ele ingressou com uma ação judicial para declarar a existência dessa união de fato (chamada “união estável” no ordenamento jurídico brasileiro). Os promovidos nessa ação éramos eu e minha irmã Isabelle.
Esta minha irmã Isabelle, logo após a separação dos meus pais, foi estudar e morar fora. Hoje ela é professora da Universidade de Bangkok, na Tailândia. Por não morar no Brasil, minha irmã nunca fora citada nesse processo.
Eu também nunca fui citado, mas por não querer mesmo, porque tinha ódio no meu coração. É verdade: consagrado não está isento disso! É separado por Deus, mas precisa, a cada dia, de conversão, necessita encontrar-se com o Senhor todo dia, porque a obra de conversão é até a morte, e, graças ao Senhor, esta obra de perdão aconteceu!
Como advogado que sou, costumo acompanhar os processos dos meus clientes frequentemente e, em uma dessas idas ao Fórum, resolvi “olhar” esse processo de declaração de união de fato (chamada “união estável” no ordenamento jurídico brasileiro).
Jesus Cristo tinha uma surpresa para mim!
Folheando os autos do processo muito rapidamente, parei numa folha que continha a fotocópia da carteira de identidade de uma criança. Vi então a fotografia da minha irmã, a Vitória, filha do meu pai com a mulher com quem ele viveu uma união de fato, após sua separação da mamãe.
Ao olhar para aquela foto, senti algo forte no meu coração! Fechei os autos e os entreguei ao servidor da Secretaria da Vara. Não consegui fazer mais nada do trabalho após isto! Sofri um verdadeiro “bombardeio” em meu coração! Comecei a ouvir em meu coração: “Essa criança é minha irmã!”, “Que menina linda!”, “Quanto tempo fugi dela!” E assim, Jesus arrancou meu coração de pedra e colocou no lugar um coração novo, um coração de carne, que pulsa, que ama!
Do ódio, passei a ter saudade! É mesmo: como é possível ter saudade se não se conviveu ?! Pergunte a Jesus! Fiquei com uma vontade louca de ver minha irmã, de abraçá-la, de beijá-la, de pedir-lhe perdão por ter fugido, por ter me escondido dela durante toda a sua infância!
Do Fórum, o Senhor me conduziu a uma praça de alimentação num “shopping”, onde eu só conseguia enxergar diante de mim, nas outras mesas, jovens mulheres com suas filhas. Parece que o Senhor me mostrava, em cada mesa da praça de alimentação, minha irmã com sua mãe, que é uma jovem mulher também. Era como se ele estivesse me dizendo: “Olha, meu filho, tua irmã é assim, bela como essas crianças!”
Desabei num choro sem me conter! A graça veio com toda a sua força, e eu disse “SIM!”: “Sim, Jesus, eu quero minha irmã, eu a amo, quero vê-la, pedir-lhe perdão. Quero perdoar a mãe da minha irmã e também pedir-lhe perdão por não ter reconhecido um direito seu, previsto no ordenamento jurídico do meu País!”
Minha esposa, a Sabryna, estava na Reciclagem Shalom (retiro de 10 dias para os membros da Comunidade), por isto eu não podia me comunicar com ela (somente em casos gravíssimos eu poderia ligar para a secretaria da Reciclagem e pedir para avisarem-na). Mas, foi ótimo: ficamos sós, eu e Deus, para que a decisão fosse toda minha, exclusivamente minha, apoiada na graça de Deus!
Eu sabia o número do telefone celular da mãe da minha irmã, mas nunca tinha ligado para ela. Então, nesse mesmo dia, liguei para ela, disse que eu queria reconhecer a união que ela tivera com meu pai, porque era direito seu, e marquei um encontro com ela na manhã seguinte no meu escritório. Nesse encontro, eu iria pedir a ela que eu pudesse ver sua filha, minha irmã.
Passei o resto do dia sozinho em casa, em profunda oração.
Não foi fácil, é claro! O perdão é sempre uma decisão nossa, apoiada na graça de Deus. A graça já tinha vindo, mas a minha decisão foi tentada pelo Diabo. Fiquei o resto da noite como Jesus no deserto: sozinho, sob forte tentação.
Parênteses: Para você que duvida da existência do Diabo, saiba que a maior artimanha que ele usa é fazer a pessoa achar que ele não existe! Assim, fica mais fácil para ele “trabalhar”! Mas ele existe e nos tenta, e não foi diferente comigo. Veja como o Diabo é ardiloso!
Como minha amada e querida mamãe já tinha falecido em 2007, vítima de câncer no fígado, o Diabo começou a “soprar” no meu ouvido, tentando-me para que eu não cooperasse com a graça de Deus e assim não me reconciliasse com minha irmã e com sua mãe.
Na noite da tentação, ele me dizia: “Rapaz, você vai perdoar essa mulher ?! Olha, sua mãe sofreu muito quando soube que seu pai estava com ela! É, sua mãe! Aquela que sempre cuidou de você, que esteve sempre presente quando seu pai se separou de vocês, que chorou muito pelo que seu pai fez! Sua mãe não ia querer ver você abraçado com essa mulher e com a filha que nasceu dela com seu pai! Deixa isso pra lá! E seus familiares, e os irmãos da sua mãe ?! O que vão dizer ? Você sabe que eles são conservadores! Eles viram o que sua mãezinha sofreu!”
Você viu como o Diabo age ? Tem alguma dúvida ainda ? Ele é tão esperto que usa até a verdade para tentar incutir em nós a sua mentira! É verdade que a mamãe sofreu, claro! Ninguém que ama, mesmo separada, gosta de ver seu marido numa união com outra mulher! Mas o cristão verdadeiro, que não vive uma religiosidade deturpada, só de ritos exteriores, aquele que teve um encontro pessoal com o Senhor, segue Jesus Cristo agindo como ele, nessas horas mais difíceis, mais desafiantes, perdoando “até setenta e sete vezes” (Mt 18, 22), porque “se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é um mentiroso: pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar” (I Jo 4, 20).
Porém, o golpe mortal na tentação do Diabo foi dado por Jesus, o Cordeiro imolado que venceu!
Após toda essa tentação, Jesus me disse, em oração: “Meu filho, onde está tua mãe ? Com quem está tua mãe ?” Eu respondi: “Senhor, ela está em ti, ela está no Céu!” Então, Jesus falou para mim, no mais profundo do meu coração: “Meu filho, quem está comigo vive a plena felicidade, todo mal passou, toda lágrima foi enxugada, não há um espaço sequer para o menor dos ressentimentos! Tua mãe, que está em mim, é toda amor! Perdoa, vai em frente, meu filho, tua mãe intercede por ti junto a mim, para que tu dês esse perdão, para que tu te reconcilies com tua irmã, para que tu ames!”
Eu chorei muito! O Diabo foi calado por Jesus e retirou-se! Cheio do Espírito Santo, juntamente com Nossa Senhora, eu fiz um grande louvor a Jesus Cristo e fui dormir na Paz!
No dia seguinte, fui cedo ao escritório. Cheguei uma hora antes do horário marcado e, como estava ansioso, ia de vez em quando para a porta de fora olhar se alguém vinha. Numa dessas idas, vi a mãe da minha irmã e, porque Deus me ama demais, vi também minha irmã vindo com ela. Comecei a chorar, corri para abraçá-la, ela me abraçou fortemente, choramos juntos, eu disse que a amava, pedi-lhe perdão por tudo o que eu fizera. A mãe dela estava aos prantos, e nós nos abraçamos também. Ela me pediu perdão, eu pedi perdão a ela. Entramos no escritório e pude contemplar mais uma maravilhosa obra de Deus: minha irmã nem precisou me perdoar! Deus a tinha preservado de todo ressentimento contra mim e contra minha outra irmã. Na verdade, a Vitória, nossa bela irmã, sempre nos amou, a mim e à Isabelle. Depois, sua mãe me disse que falava assim para ela, desde quando ela era bem pequena: “Vitória, ame seus irmãos. Eles são seus irmãos! Um dia, Deus tocará o coração deles, e eles virão até você”. E esta palavra cumpriu-se, graças a Jesus Cristo, nosso Senhor e Deus!
Isto aconteceu em julho deste ano de 2009. Em novembro, minha outra irmã, a Isabelle, chegaria da Ásia para passar férias aqui em Fortaleza.
Então, preparei-me em oração, na Eucaristia e no terço diários para contar-lhe tudo o que acontecera. Como procurador da minha irmã Isabelle no Brasil, também tinha a obrigação de dizer-lhe que eu reconhecera a união de fato entre o nosso pai e a mãe de nossa irmã. Mas, muito mais do que uma obrigação jurídica, eu queria partilhar o amor que estava em meu coração. Como eu a amo, queria que ela também amasse a Vitória e a acolhesse como irmã!
Quando a Isabelle chegou, convivemos bastante e, no início do mês de dezembro deste ano de 2009, fomos à praia, somente eu e ela.
Contei-lhe tudo. Como Deus é fiel, e sua graça toca todos os corações, minha irmã Isabelle acolheu de todo coração a obra de reconciliação que o Senhor realizara na minha vida e disse que queria encontrar-se com nossa irmã Vitória também.
Então, no dia 18 de dezembro deste ano de 2009, numa sexta-feira, dia da semana sempre consagrado ao Coração de Jesus, coração traspassado de amor por cada um de nós, coração misericordioso, vencedor!, eu, minha irmã Isabelle e minha irmã Vitória nos encontramos naquele dia que ficará marcado por toda a minha vida como “O Encontro dos Irmãos”!
Nós nos amamos muito, nos abraçamos, nos beijamos, tiramos muitas fotos. Minha irmã Isabelle, que mora na Ásia, trocou e-mails com minha irmã Vitória, e combinaram em se falar pelo Skype também.
Quando fui deixar minha irmã Vitória na casa de sua mãe, nós três nos despedimos com um forte abraço e um beijão, e, no carro, após toda essa “explosão”, efusão do Amor de Deus, em silêncio eu orava: “Senhor, eu te amo! Jesus, eu te adoro! Jesus, muito obrigado por essa vitória tua em nossas vidas! Obrigado pela Vitória, pela Isabelle, minhas irmãs! Obrigado, Jesus, porque sei que Nossa Senhora, nossa Mãezinha querida, intercedeu para que seus filhos se reencontrassem, se reconciliassem, se amassem! Obrigado, Jesus, pela maior graça de perdão da minha vida!”
Shalom!
Álvaro Amorim.
Consagrado na Comunidade Católica Shalom.